Tuesday, September 25, 2007

cinema bovariano


.
naquela aldeia da alma te imagino com todos os caprichos,
que são algodões querendo voar das mãos,
tomando os ares como quem bebe provisoriamente
imagens líquidas, partidas na saudade de ontem
.
as folhas miúdas de árvores noturnas
caducam flores seminuas em asas-querubins;
são névoas encobrindo a piedade dos braços
que chegam estranhos se não foram seus
.
desço as ruas contando pedras em Yonville
e as somas dos bancos sentem a tua falta
dos romances que nunca li e daqueles censurados
coabitando nas águas rasas o infortúnio dos náufragos
.
este filme mistura temperos de vinhos
para curar sem querer a saudade corrompida
se a paixão nunca resolvida vira a tela em avesso
nos olhos mais tristes como em Mme Bovary

Saturday, September 08, 2007

'Amara



em paralelas, ando equilibrista
desisto esquinas tropeçando luas
atrevo-me teu nome, respiro
Orpheu desceu aos infernos
buscando paraísos

despertar o vinho, nódoa na alma
educando o sentido único de Eurídice
máquinas apodrecendo infinitos e corda bamba
dois Montiverdis descobrem-se palhaços

que geometria me rompe em octaedro
súbito espanto quebrando esquadros
Apolônio desenhando camelos nas cortinas
oito discípulos dormindo estrelas

da clássica dama, amanheço
no leste europeu sem copas;
sem as luzes de Ariadne;
metade bicho, metade destino; valete sem Deus.

Paulista

Brincos de lentilha aliciando
perfis querubins.
Latitude e perdição
preferir túneis a pontes
mentir parabrisas rotos
pisotear jardins de alcachofras
e palhaços.

O começo do canto-arte
é filho de luas que se escondem,
esperando arcanjos caírem homens -
antropologia inexata,
paraíso feito de sal;

Um matrimônio de dois cemitérios -
um latifúndio de mitos e coroas.
Soltos os brincos
ferem os palhaços-nariz-vermelho
olhos traídos

Feitiço da Vila

Enquanto engomam gestos pagãos,
os sonâmbulos da cidade,
em tábuas de pedra,
um poeta morre na beira-mar
acreditando caravelas e sereias

Duas guerras se realizam nos olhos do Fauno
apodrecem princesas na torre azul
e castelos se desfazem no viço da cidade

Esperanças nas catraias,
na cartografia orgânica das ruas
cães perdidos mapeando a cegueira da noite

O pó tudo torna esterco
até roupas estendidas em quadros abstratos.
O poeta acordou cedo demais
pintando a janela do mar

Luz Ciana

Mercúrio verteu modernidade-pós
na Augusta, noite, éramos três
czares a decidir cadafalso da estação
quatro tijolos sob o asfalto frio
quantas artes novas brotam
na cor morena de Ginzburg-boêmia
girando de ciência e mitos
via-láctea nos olhos de Kandinsky
dorme vermelho, Grécias e planetas
girassóis de trôpegos calos
luz de farol acende a noite

Esphera

as semibreves recolhem-se de manhã
iludem-se de rubato em coro de lençóis
borboletas confusas, pauta sem tempo
passo no intervalo de ruas dissonantes
o sol forte, os dedos, piano
variações sem tema ...

J.P. Chenet




dois dias de vida
um túnel de ébano
véspera no metrô
notas negras no piano
magia no mosaico-nuvens
ornitorrincos delicados
planos febris de aquarelas

pinto a separação na liberdade
meu amor é anoitecer
sempre escuro a procura de sereias
cantar o esquecimento -
torto caixão sem flores,
um perfume de conhecer espadas

flores que eu tenho
são todas tuas e nada minhas
poesia crua porque te amo ainda

Consolação



Rara voz no décimo quinto céu:
por que ouvi depois teu silêncio?
Éramos fantasmas assombrando uvas,
queríamos espelhos e intimidaes de condão,
mas o rio feriu a dama de copas

Esqueci a fruta do vinho na tarde
Tingi de paixão os olhos dos passantes
Na Paulista de vidro, o viço e o mundo

Toma minha mão ainda úmida
Inventa um único verso
que faz bolhinhas de arte
com o mínimo de teu gesto

Falta-me o essencial soprinho -
a alma da videira - para assim
as esferinhas explodirem
absolutamente libertas.
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