Monday, March 19, 2007

Entre duas cores




A dança da vida transita entre duas possibilidades, é o que parece para os legítimos amores proibidos. Antes dizer sobre a mistura de cores e sensibilidades.

Uma moça, tão humilde, na sisudez de uma formação puritana, vê-se impedida de seguir adiante o ofício de misturar cores, ou melhor, de sabê-las operantes na formação de um métier artístico. No ateliê de Vermeer, aprendeu sobre pigmentos e seus veículos, a preparar tintas de mais variadas cromas, assim como educar o olhar para a composição, os jogos de luzes e a representação do espaço. Quais mistérios encerram o ofício do pintor? Ela ousou saber na infelicidade da escolha forçada.

A moça apaixonou-se pela arte, embora soubesse que este amor lhe roubaria a soma dos dias na casa do mestre; lhe deixaria na dúvida de seguir a fortuna entre dois mundos deveras opostos. O seu mundo mais rente, real, do açougueiro-pretendente a lhe oferecer quadros rústicos, inclusive os limites de qualquer existência; ou o seu mundo menos acessível, porém mais desejado, ideal, cujo sonho e sensibilidade pintam-se originais. O primeiro é presente, o outro, onipresente, a lhe infundir o desejo de saber-se nele. Tão grande a dita de dialogar com as cores, com o mestre sabedor de todas elas, embora impedido de pintá-la.



Mas ele a pintou como única, com a aura exigente daquela obra-prima. A obra de arte ainda possuía o princípio de aura naqueles idos setecentos. Composição de fina maestria, cujo tema gravitava naquela pérola proibida. Moça com brinco de pérola.

Saturday, March 03, 2007

A tua janela, amiga minha

Enfeitaram a sala de visitas
Puseram nela amarelos e vermelhos,
Espalharam, salpicaram, depositaram
Imagens de palhaços e faixas coloridas
Esperavam capuchos de algodão
Quadros quedavam como tulipas
Cataventos espreitavam o lá fora
Dias furta-cor ladeavam as cadeiras vazias
Eu imóvel esperando o ocaso dos armários
Sentavam-se domingos nas calçadas
Caladas, mudas, à espreita
De cabides e espreguiçadeiras
Velho de mocidade, via letras no mundo...
A rosa caiu do livro,
Woolf que pensava ler, mas a sala
Recebia Clara que não via mais.

Melusina [II]



Iniciei-me na escola dos magos
Do penhasco imaginei nossas mãos
Que feitiço fazíamos...

Dissolvia nossos corpos
Valendo o mar nos cobrindo
Asas infinitas.

Absorvi tuas magias;
O soma, as somas
E a alma, um albatroz

Arrastando-se lento,
Asas de Baudelaire, úmidas
De vinho, um vôo alto

Chovendo vermelho sobre
Nossas borboletas cansadas
De sol. Entre pirilampos,

Máquinas de escrever,
registrávamos com mãos de seda
Nossa biografia.

Peremptório encantamento,
emoldurou o penhasco imberbe
Impediu-nos a queda, evitou-nos o salto,

Suplicou-nos pássaros.
Dentro da choça do tempo
Melusina tornou-se um lago.

Desaprendi porque magias
São chuvas; e porque chuvas caem
Em braços de lagos.

Úmido o leito de barro nos recolhe
Aprendiz de feiticeiro, outra vez
Saberia voar em tuas águas.

Comédia

Guardava nas prateleiras os risos anteriores
Escondia os brancos nas gavetas
Seria roda e automóvel, circunferência e fausto.
Calaram-se de ampulheta as praças
Cada construção cala seus construtores
O distanciamento à obra, o espanto
De não ser feliz

Antígona queria ser meretriz, não precisava
Da ilusão de rainha ou da solidão dos camelos,
Apenas uma suspeita bastava,
a das Dores-eminentes-pardas.
Riso que é a véspera da dor
Ulisses engoliu os sonhos
Na travessia dos mares.
Penélope teceu os fios
Na comédia da realidade.

Wedding


Um homem que não se contenta
Com a maioridade...
Os quadros brancos esperam-no
Viver todos os vazios;
Suspender-lhe a lírica
Numa aquarela de sal,
de girassóis, ladrilhos nus;
Sorver-lhe a estrada
Que sob seus pés
Repousa sisuda

Dois corpos decidindo maçãs
Um infinito de pecados
E serpentes; uma solidão
Resistindo ao tormento
Da rua, que imagina Luas,
Libélulas e Caminhões

Estranho visitante o seu porvir,
Preencher o branco de
Subtrações; ir à galeria
Sem ver os quadros;
Adentrar no espetáculo
Com a palma de uma mão só
Para ver o palhaço que vive
Sozinho, fazendo sorrir
A arte de menino.
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