Monday, June 07, 2010

Estética alheia - Lição 01

Irmãos

Em Cortazar, a coincidência entre a boca desejada e a de carne que sorrir por baixo da primeira antecipa a intimidade possível entre imaginação e corpo. No último encontro ANT inauguramos a “estética alheia”, estávamos, me parece, exatamente neste prumo. Quando para aquele poema trouxemos num súbito monólogo interior a imagem de São Sebastião, criamos uma espécie de hipertexto que conecta o conteúdo verbal da poesia aos sentidos auferidos pela ausência da imagem do mártir. Se a lua salivada de Cortazar tremula na água, a fotografia de Ruth Orkin padece de um frêmito a um só tempo oposto e similar. Ao não sabermos o que a jovem ler, obrigamo-nos ao esforço de acessar os vazios dos seus olhos por outros caminhos. Se o olhar inócuo e brando sugere alguma placidez em sua efígie, as pernas retorcidas repetem a urgência da paisagem das bocas de Cortazar, não há brandura apenas em seu corpo sereno. Talvez ela não se dê conta de que compartilha a angústia da estatuária da praça: são imobilidades, não pela ausência de movimento, mas pela presença implacável de um instante absoluto de solidão.
Nós, meros observadores longínquos, não padeçamos do mesmo frio.
Escriba, a foto é impressionante, pra mim, um amador (de amante e de aprendiz), ela é mais uma aula.
Abraços ANT.
Hermes
* * *
Montecristo e Fídias.. donde hablam, hermanos?

Hermes,

capturastes o tema da solidão em Ruth Orkin, que é a fotógrafa, mas não se sabe quem é a fotografada!
A chamarei de Dama X. Poderíamos nos perguntar para onde mira seu olhar. Parece furar os limites do quadro -- um olhar centrífugo, que ao mesmo tempo move-se centrípeto desde o fauno atrás de si. Como um gênio natural, habita ele a Dama como o desejo de rever a leitura na paisagem que não vemos, mas que intuímos ser o ausente no livro. Esse fauno "rebuscado", de falo erecto, e de um movimento dionisíaco, parece vazar pelos olhos da Dama, como a volúpia causada pela enfado da leitura. Se é a solidão o primeiro estrato, há ainda um segundo, o dessa volúpia silenciosa, e um terceiro, o da melancolia resultante das duas primeiras, em seu olhar. O que poderia tê-la pausado a leitura senão um desejo natural despertado? Fico a querer sentir o seu desejo, este que a faz retorcer os joelhos aproximando os pés nas pontas, como se um fogo transformador houvesse sido acolhido num atanor em brasa. Embora aparentemente serena, junto a este fogo, eleva-se pela torre -- em último plano --, além do quadro, a visão panóptica a envolver toda a cena. Por certo, a imaginação, que contém os sentimentos e os pensamentos da Dama, desejem voar desta torre, como o ar de seu "pathos" provocado pelo fauno.

Escriba

* * *
Hermanos

A volúpia silenciosa que supõe Escriba não seria também uma forma de solidão? Por esse prisma tanto o retorcido das pernas com as pontas dos pés em insinuação de desejo, como o vazio da paisagem que nos chega através da ausência e a própria ereção cósmica do Fauno, são todos elementos que convergem para o mesmo espelho solitário do tempo. Talvez estejamos tratando de uma solidão do plano temporal e não no espaço. Talvez seja um interessante exercício artístico e especulativo pensar nesse tema.

Hermes

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