Tuesday, July 24, 2007

Ave das horas


Pássaro de olhos tristes, não me tenha breve
Saiba-me canção que finda e amanhece lua
Canta-me chuva rubra sobre a tarde crua
Até que a preciosa terra em vão me vele

Fere-me a tarde com estrela nos pés
Astrolábio sorrindo a compor outros fados
Silêncios meninos a parir candelabros
No balanço mudo de galhos-chaminés

Auroras tristes sob tuas falas nuas, sorrias
Nossas mãos sãs, loucas, tua composição --
Sonata incompleta -- primaveras tu crias

Vôo raso no teu olhar que sabe de céu
Melancolia de beija-flor, morrer flores
Não sabe, brinca ser deus, desvelado o véu

Saturday, July 21, 2007

Nosso fauno



Saberei te encontrar em qualquer estação, seja a das cerejas ou a das flores amarelas. Entre as cerejas e os girassóis doiram as pontas dos sonhos. Um sonhar de crepúsculo, sem fim, sem dias, sem noites, um sempre agora. Não tem idade o viço das flores e das frutinhas vermelhinhas. A macieira, a amoreira e a morangueira já nasceram maduras ao amor. Amam simplesmente o encontro, por isso nunca morrem.

Tuesday, July 17, 2007

Hespéra



Pobres as goiabas silenciosas de céu, menos pela obesidade ou pelo amarelo, mas pobres por saberem-se fartas. Nem se quer abriu os olhos para a queda... Quem sabe esse cair não lhe seria o mistério maior de sua curta e previsível existência... talvez até fosse jovem...; mas a fartura à qual se aninhava, mais por cansaço do que por milagre, lhe ofuscava o céu. Mas um vento trouxe a vida em forma de terra e calor. Córregos vermelhos lhe atravessaram a carne fria sob o sol incandescente de julho. A essência enfim desperta. Ao invés de um extinguir-se em definhamento cor de breu junto à majestade inofensiva e circunspecta do caule, explodir em vibrantes comoções, possuir a terra, render ao chão sua intimidade impoluta, oferecer-se aos passarinhos, aos passantes, aos poetas. Enxergar altivez nas minhocas. E, num “grito epifânico” de entrega, arremessar-se faminta às sortes de areia, deixar-se ir com o vento, espalhando primavera e colhendo amores.

Saturday, July 14, 2007

Espelho




Para o pasto de capim ondulante
Ajoelha-se um céu de azul sozinho.
Chora a cúpula esquecida à relva,
Em rios submersos de verbos líquidos.

Sem pés no chão, planto-me no vento,
Árvore entregue aos passarinhos.
Entre nós como um fauno de vidro
Imolado em solidão de cor e movimento,
Dias gelados residem-me o peito, esquecido.

Não vejo meus olhos, não quero vê-los
Abandono o olhar sobre as ondulações do tempo.
Espantalhos assustam a calma dos dedos,
Levam-me a alma sob desejo de maçãs.

Sobra meu corpo – esta cerca, árvore morta
Em algúrios de verde, noites, ventos.
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