Thursday, January 25, 2007

Maborosi


quadrada luz.
sombra sem vértices – no chão
uma cidade, quadro gris,
medo de sombras, esquadro –
fronteira esquisita.
o país da face medita a dor.
acontecem cores. diluídas
horas. olhos-dilúvios na fotografia,
mínimos planetas – prosopopéia,
polígono irregular – eqüiláteros, líricos,
não mais, caminho outros
mares – a luz da ilusão.

Entre vieiras e naufrágios

Pisava apenas os ladrilhos imitando conchas, eu que fui marujo de nau e capitão. Molhava os pés para saber o mar; ia ao mar a desejar as ilhas perdidas nas estantes. Nas brochuras escondia as procelas e barquinhos de papel. Porém um naufrágio suplantou o gesto do leme das horas noturnas. Era o chão tornado de conchas e areia e musgo e estrelas. Meu corredor deu a desaguar nos Bálcãs de corações aflitos de almas. Margarida veio saindo do mar apagando os faróis. Aparição de santa perseguindo a lua. Margarida quedou-se muda nas ondas que amoleceram à deriva do sonho.

Antes do naufrágio, Acrísio de Deus, pescador desde menino que mal sabia além da cartilha, deixou esses versos que acabaram nas mãos do tabelião — homem dado às letras, de grande pendor poético, e viu naquele texto a impressionante capacidade de engarrafar o infinito. O tabelião cerrou-o numa garrafa vazia de bordeaux lançando-a ao mar.

Acrísio hoje lustra assoalhos e aspira cortinas no Grande Hotel, mantém lustrosos sempre os ladrilhos imitando conchas.

Marco zero

Apressam-se as margaridas
— é primavera. A festa
do jasmim — cio do
sândalo, alfazema —
é primavera. Severos
cravos, papoulas
desembestadas. É assim
a alegria dos cardos:
festejar a morte
das violetas.
Desmoronam-se as preces
— é o princípio do
marco zero. As primaveras
não existem, só as
margaridas florescem.
Oito floradas, octógonos
Sentidos — linguagem
Que cheira a música
Em cores no movimento
Da natureza à vela.

Quadro Amorfo

muito azul faz hipopótamos
se parecerem com
anjos. pouca alma
torna aflita a noite
sem arte. que expressionismo
os anjos pintam...
hipopótamos ajoelhados,
anjos devotos do vinho.
maravilhoso adultério
da alma, entregar-se
a outra forma.

Thursday, January 04, 2007

Intuição


Só as coisas afora da alma
manipulam a memória do agora.
O olhar é colher estações,
verões atravessando o infinito.
Não há corpo que sobreviva
à metafísica dos olhos.
As coisas são além dos
contornos e das maçãs.
Tudo faz dos sujeitos naturezas-mortas.
Dançarina rodopiando para um cego.
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