Thursday, January 25, 2007

Entre vieiras e naufrágios

Pisava apenas os ladrilhos imitando conchas, eu que fui marujo de nau e capitão. Molhava os pés para saber o mar; ia ao mar a desejar as ilhas perdidas nas estantes. Nas brochuras escondia as procelas e barquinhos de papel. Porém um naufrágio suplantou o gesto do leme das horas noturnas. Era o chão tornado de conchas e areia e musgo e estrelas. Meu corredor deu a desaguar nos Bálcãs de corações aflitos de almas. Margarida veio saindo do mar apagando os faróis. Aparição de santa perseguindo a lua. Margarida quedou-se muda nas ondas que amoleceram à deriva do sonho.

Antes do naufrágio, Acrísio de Deus, pescador desde menino que mal sabia além da cartilha, deixou esses versos que acabaram nas mãos do tabelião — homem dado às letras, de grande pendor poético, e viu naquele texto a impressionante capacidade de engarrafar o infinito. O tabelião cerrou-o numa garrafa vazia de bordeaux lançando-a ao mar.

Acrísio hoje lustra assoalhos e aspira cortinas no Grande Hotel, mantém lustrosos sempre os ladrilhos imitando conchas.

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