Sunday, January 01, 2012

Ninho




a lentidão do tempo dos passarinhos
é igual às horas no amor.
os fios paralelos da cidade
abrigam seu leito efêmero.
longe são os beiras de aço
sob as rodas dos carros a chiar
nas autovias da memória.
não existe o tempo,
existe a tristeza contida
de estar sempre a dizer adeus.
imaginando partidas,
esperando chegadas,
sonhando com abraços
esse estranho tempo
analogicamente certo,
incerto em mim.

Personagem



Sou eu, mas não sou eu,
Apenas apareço. Compareço.
Não me reconheço em mim
Quem sou você agora?
Vejo-me em espelhos
De onde escapa imagens de você.
Sou a intensidade que me permite
Existir em mim sem ti.
A verdade de parecer
Ao mesmo que me assemelha
É possuir a cena
E compor a canção do tempo.

Tuesday, June 21, 2011

bossa analógica

Monday, February 14, 2011

Ilhas

Preciso viver
tenho asas cansadas
pés inquietos
maneiras de ser feliz

manuseio noites e palhaços
artífice das alegrias escuras
rescuso morrer por um triz

meu planeta tem uma lua
de cera, que arde
flores de vinho antigo
em ar de borboletas

a galáxia é minúscula
e o amor voa no primeiro céu;
na terra do nunca

duas causas escorrem
dos meus olhos
tristes e ansiosos
uma come chuva
outras engole sóis
de mais tarde

só posso viver
a humanidade da chuva
das formas inacabadas

crio ilhas, e do entorno
as pontes
me confessam a vida.

Thursday, February 10, 2011

Limites



Tenho seis dedos

meninos insuficientes

incompletos de alma de mão.

voar é sua engenharia,

Debussy contemplando o mar...

aranhas, arames, ávidos,

os grãos de areia

são unhas do mar.

as areias viram sais de amor

que adormecem na vida

e amanhecem na linha do destino.

a infância tem seis dramas --

cinco metais no sangue,

um desumano: aprendiz

nesse ouro de exitir nos limites.

Monday, June 07, 2010

Estética alheia - Lição 01

Irmãos

Em Cortazar, a coincidência entre a boca desejada e a de carne que sorrir por baixo da primeira antecipa a intimidade possível entre imaginação e corpo. No último encontro ANT inauguramos a “estética alheia”, estávamos, me parece, exatamente neste prumo. Quando para aquele poema trouxemos num súbito monólogo interior a imagem de São Sebastião, criamos uma espécie de hipertexto que conecta o conteúdo verbal da poesia aos sentidos auferidos pela ausência da imagem do mártir. Se a lua salivada de Cortazar tremula na água, a fotografia de Ruth Orkin padece de um frêmito a um só tempo oposto e similar. Ao não sabermos o que a jovem ler, obrigamo-nos ao esforço de acessar os vazios dos seus olhos por outros caminhos. Se o olhar inócuo e brando sugere alguma placidez em sua efígie, as pernas retorcidas repetem a urgência da paisagem das bocas de Cortazar, não há brandura apenas em seu corpo sereno. Talvez ela não se dê conta de que compartilha a angústia da estatuária da praça: são imobilidades, não pela ausência de movimento, mas pela presença implacável de um instante absoluto de solidão.
Nós, meros observadores longínquos, não padeçamos do mesmo frio.
Escriba, a foto é impressionante, pra mim, um amador (de amante e de aprendiz), ela é mais uma aula.
Abraços ANT.
Hermes
* * *
Montecristo e Fídias.. donde hablam, hermanos?

Hermes,

capturastes o tema da solidão em Ruth Orkin, que é a fotógrafa, mas não se sabe quem é a fotografada!
A chamarei de Dama X. Poderíamos nos perguntar para onde mira seu olhar. Parece furar os limites do quadro -- um olhar centrífugo, que ao mesmo tempo move-se centrípeto desde o fauno atrás de si. Como um gênio natural, habita ele a Dama como o desejo de rever a leitura na paisagem que não vemos, mas que intuímos ser o ausente no livro. Esse fauno "rebuscado", de falo erecto, e de um movimento dionisíaco, parece vazar pelos olhos da Dama, como a volúpia causada pela enfado da leitura. Se é a solidão o primeiro estrato, há ainda um segundo, o dessa volúpia silenciosa, e um terceiro, o da melancolia resultante das duas primeiras, em seu olhar. O que poderia tê-la pausado a leitura senão um desejo natural despertado? Fico a querer sentir o seu desejo, este que a faz retorcer os joelhos aproximando os pés nas pontas, como se um fogo transformador houvesse sido acolhido num atanor em brasa. Embora aparentemente serena, junto a este fogo, eleva-se pela torre -- em último plano --, além do quadro, a visão panóptica a envolver toda a cena. Por certo, a imaginação, que contém os sentimentos e os pensamentos da Dama, desejem voar desta torre, como o ar de seu "pathos" provocado pelo fauno.

Escriba

* * *
Hermanos

A volúpia silenciosa que supõe Escriba não seria também uma forma de solidão? Por esse prisma tanto o retorcido das pernas com as pontas dos pés em insinuação de desejo, como o vazio da paisagem que nos chega através da ausência e a própria ereção cósmica do Fauno, são todos elementos que convergem para o mesmo espelho solitário do tempo. Talvez estejamos tratando de uma solidão do plano temporal e não no espaço. Talvez seja um interessante exercício artístico e especulativo pensar nesse tema.

Hermes

Sunday, June 06, 2010

Galatéia

Só nuvens por aqui. Caminhar pelas ruas cruzando as esquinas. Cobrir-se de frio à flor da pele. O tempo tão estranho. Casarões abandonados com esculturas lânguidas. Havia uma esquecida. Naquele jardim tímido, ermo, cheio de ervas daninhas. Estava ela contorcida como num tronco, presa, embora tentasse soltar-se, debalde. Acudi-lhe com um olhar triste. Tomei-lhe musa, musa de pedra. Falava-me com os braços erguidos, enlaçados, e a cabeça neles escorada. Aproximei-me das barras verticais da grade. Apoiei-me nela com as mãos. Mirei seu dorso nu entrecoberto de folhas e ramagens. Sua face abaixada e seus olhos... Olhos de dor, malgrado um segredo neles velado. Perguntei-lhes por onde seguiam. Contavam os passantes que porventura percebiam-na. Não sei quantos para ela foram tomados. Prossegui, então, havendo-me inquirido por que lha notei, mas por que lha deixei.

Monday, May 03, 2010

razão alheia (fundamentos) – pigmaliel [manifesto]


quando se olha uma coisa, um som, um corpo

se põe um coração neles.

o sangue que irrompe das ranhuras, não

é vermelho apenas, é também uma dis-

tância incorporada entre o órgão

incorrupto e a visão que macula

as fraternidades da teoria.


uma poesia que reflete rimas e

tenta escapar convenções não entende

que refutar, escapar e todas as coisas

que imprime na ausência

a chancela de novo, tem na sua

fúria um frágil ministério.


catre que aprisiona esses dias

em que se espreita, alheio, a sombra movediça

de milênios cheios de modernidade

calar as cores do verso puro imenso,

gritando luzes onde a escuridão palpita...

os olhos do espírito colide com

a cidade na função da ausência.


o som do corpo é a presença.

a peça de madeira é frágil –

três vezes humana. os olhos,

as mãos – são joão baptista –

as águas correm sobre o christo

desumanizado. os olhos

lamuriantes do perpétuo socorro.

por uma clarividência invertida,

vê-se o movimento das cores

sem duração. a angústia de contorcer a poesia

é o de conter o movimento

qualquer coisa que explique

a razão ferida.


pintar o quadro

sob a luz de mercúrio

e albedo – o vermelho e o branco.

rosácea noite sanguínea

duplica a nova aliança

de um sacre coeur inteligível,

e anárquico de sabedoria.

Pigmaliel, ai ai meu deus..

o tudo é o nada

o ser é o nada que vê

a razão difusa na

paisagem.

Razão alheia


imaginação dai-me luz
dai-me o espaço não visto
o sol concentra na ponta dos cantos
os sons desavessos.
- essas cores de todas as horas.
o que a sombra segreda as areias
cantai ao granito da memória
horas alheias de terras e esquinas

não cala o que a boca espreita
a luz do pensamento.
a coisa imaginada,
se nela o sol incide
produz no chão uma razão de sombra.
mas este escuro breve,
essa sombra, não existe
já que não foi imaginada.
é um impossível que espalha na areia
uma percepção causal.
essa coisa, essa sombra do objeto imaginado
habita outra razão, estranha,
alheia aos mistérios, aos juízos,
alheia à razão.
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